A CANÇÃO DA TERRA
Tradução para o português: Ricardo Rocha
DAS LIED VON DER ERDE
Original da tradução alemã de Hans Bethge
Transcrição de poemas chineses publicada como “A Flauta Chinesa” (“Die Chinesische Flöte”) por Hans Bethge (1876-1946) e musicado como “A Canção da Terra” (“Das Lied von der Erde”) por Gustav Mahler
Mas não o bebais, antes que lhes cante uma canção!
A canção da tristeza soará como riso efêmero em vossa alma.
Quando ela chega, torna desertos os jardins da alma,
murcham e morrem a canção e alegria.
Escura é a vida, escura é a morte!
2 – Senhor desta casa!
Tua adega oculta a maturação dos vinhos de ouro!
Aqui, este alaúde eu chamo de meu!
Tocá-lo e esvaziar os copos
São coisas que andam juntas.
Um copo cheio de vinho no tempo certo,
Vale mais que todos os reinos dessa Terra!
Escura é a vida, escura é a morte!
3 – O Firmamento seguirá azul e a Terra,
Firme e estável, florindo na primavera.
Mas tu, ó Homem, quanto tempo viverás?
Nem mesmo cem anos terás para deliciar-se
Em meio à fuligem podre dessa Terra!
Vede lá embaixo! No luar sobre os túmulos
Agacha-se uma figura selvagem, fantasmagórica!
É um símio! Ouvi como seus uivos
cortam estridentes o doce aroma da vida!
Tomai agora o vinho, amigos, esse é o tempo!
Esvaziai, até o fundo, vossas canecas douradas!
Escura é a vida, escura é a morte!
2) O Solitário no Outono – de Chang-Tsi (c.765 – c.830) – contralto ou barítono
1 – Névoas azuladas de outono flutuam sobre o lago;
Fosca fica a relva coberta de geada;
Conta-se, um artista pegou pó de jade
E o espalhou sobre os finos botões.
2 – O doce perfume das flores se esvai;
Um vento frio enverga seus caules.
Logo surgem, murchas e trazidas pela água,
As douradas folhas dos botões de Lótus.
3 – Meu coração está cansado, minha pequena chama
Crepita e apaga, o que me lembra do sono.
Eu caminho para ti, fiel campo de repouso!
Sim, dai-me descanso, preciso de alívio!
4 – Eu choro muito em minha solidão.
O outono em meu coração dura muito tempo;
Sol do amor, nunca mais irás brilhar
Para suavemente secar minhas lágrimas amargas?
3) Da Juventude – de Li-Tai-Po (701-762)– para Tenor
1 – No meio do pequeno lago
há um pavilhão feito de verde
e branca porcelana.
2 – Como o dorso de um tigre
arqueia-se a ponte de jade
até o pavilhão.
3 – Na casinha sentam-se amigos;
Bem vestidos, bebem e conversam
Alguns escrevem versos.
4 – Suas mangas de seda deslizam
para trás, seus chapéus de seda
Enterram-se jocosamente em suas nucas
5 – Na silenciosa lâmina d’água
Do pequeno lago, tudo se revela
Em maravilhosas imagens refletidas.
6 – Tudo está de cabeça para baixo
No pavilhão feito de verde
e branca porcelana;
7 – A ponte parece uma lua crescente, ()
Com seu arco invertido. Amigos,
Bem vestidos, bebem e conversam.
4)Da Beleza – de Li-Tai-Po (701-762)– para contralto ou barítono
1 – Jovens donzelas colhem flores,
Colhem flores de lótus às margens do rio.
Entre arbustos e folhas, elas se sentam
Juntam as flores no colo e brincam,
Fazem troças umas com as outras.
2 – O Sol dourado tece suas figuras
Refletindo-as no brilho da água.
Espelhando seus membros esguios
O Sol reflete o mel de seus olhos.
E Zéfiro, com adulações e carícias,
Levanta as mangas de seus tecidos,
Lançando a magia do seu perfume no ar.
3 – Oh, vede, como brincam aqueles belos rapazes!
Em imponentes cavalos, na beira do rio,
Brilham de longe como raios de sol;
Por entre os galhos de verdes salgueiros
Já vem troteando um povo jovem e viril.
4 – O cavalo de um deles relincha alegremente
Então se espanta e foge dali;
Seus cascos pisam flores e relva
Esmagando, no turbilhão, as flores caídas.
Hei! Como se agitam suas crinas em tumulto,
Como fumegam suas ventas infladas!
5 – O Sol dourado tece suas figuras
Refletindo-as no brilho da água.
E a mais linda daquelas virgens
Manda olhares longos de desejo.
Sua postura orgulhosa é fingimento:
No brilho de seus grandes olhos,
Na escuridão de seu olhar ardente,
Suplica, clemente, um coração arrebatado.
5 ) O Bêbado na Primavera – de Li-Tai-Po (701-762) – para Tenor
1 – Se a vida é apenas um sonho,
Por que então o cansaço e a agonia?
Eu bebo, até não poder mais
Por todo o santo dia!
2 – E se não aguento mais beber,
Porque a garganta está cheia e a alma fervilha,
Aí cambaleio até minha porta
E durmo na maior maravilha!
3 – O que ouço quando desperto? Ouça!
Um pássaro, que na árvore canta.
E eu lhe pergunto, se a primavera chegou
Que p’ra mim é sonho que a tudo suplanta.
4 – O pássaro gorjeia: “- Sim!
A primavera chegou, em meio à madrugada!”
E com um olhar profundo eu escuto:
O pássaro que canta e dá risada!
5 – De novo encho meu copo
E o esvazio até o fundo
E canto até a lua brilhar
No escuro que firma o mundo!
6 – E quando cantar eu não puder mais
Aí então volto a dormir;
O que me interessa o que a primavera traz?
‘Me deixa’ beber até cair!
6) A Despedida – para Contralto ou Barítono
Poema I, de Mong-Kao-Yen;
1 – O sol se despede atrás das montanhas.
A noite derrama-se por todos os vales
Com suas sombras frias e geladas.
Oh, vede! Como um barco de prata
A lua flutua no lago azul do céu.
Eu sinto o sopro de uma brisa suave
Atrás dos escuros pinheiros!
2 – O riacho canta no escuro, harmonioso.
Empalidecem as flores ao crepúsculo.
A terra respira plena de sono e repouso;
Todo desejo, agora, quer sonhar.
Cansadas, as pessoas voltam p’ra casa
Para, no sono, reaprender a felicidade
Que dorme esquecida na juventude.
Quietos, os pássaros se aninham em seus ramos.
O mundo adormece!
3 – Venta frio à sombra dos meus pinheiros.
Eu fico aqui e espero por meu amigo;
Eu o espero para um último adeus.
Anseio ao teu lado, querido amigo,
Desfrutar a beleza dessa noite.
Onde estás agora, que há tanto me deixas só?
Ando para cima e para baixo com meu alaúde
Por caminhos que crescem com a relva macia.
Ó Beleza! Ó mundo eterno, ébrio de Amor e Vida!
Poema II, de Wang-Sei (701-761)
1 – Ele desceu do cavalo e lhe estendeu
A bebida da despedida.
Perguntou-lhe então para onde iria
E também porque teria de ser assim.
Sua voz saiu velada quando falou: Ah, meu amigo,
A sorte nesse mundo não me foi tão favorável!
2 – Para onde vou? Estou indo para as montanhas
Busco descanso para meu coração solitário!
Eu caminho para minha casa, a minha terra natal.
Nunca mais errarei vagueando pelas distâncias.
Tranquilo está meu coração e aguarda a sua hora!
3 – Por toda a parte a terra querida
Renova e floresce o verde da Primavera!
Em toda a parte resplandece o eterno azul do infinito!
Eterno … Eterno … Eterno …
Doch trinkt noch nicht, erst sing’ ich euch ein Lied!
Das Lied vom Kummer soll auflachend in die Seele euch klingen.
Wenn der Kummer naht, liegen wüst die Gärten der Seele,
Welkt hin und stirbt die Freude, der Gesang.
Dunkel ist das Leben, ist der Tod.
2 – Herr dieses Hauses!
Dein Keller birgt die Fülle des goldenen Weins!
Hier, diese Laute nenn’ ich mein!
Die Laute schlagen und die Gläser leeren,
Das sind die Dinge, die zusammen passen.
Ein voller Becher Weins zur rechten Zeit
Ist mehr wert, als alle Reiche dieser Erde!
Dunkel is das Leben, ist der Tod.
3 – Das Firmament blaut ewig, und die Erde
Wird lange fest steh’n und aufblühn im Lenz.
Du aber, Mensch, wie lang lebst denn du?
Nicht hundert Jahre darfst du dich ergötzen
An all dem morschen Tande dieser Erde!
Seht dort hinab! Im Mondschein auf den Gräbern
Hockt eine wild-gespenstische Gestalt!
Ein Aff ist’s! Hört ihr, wie sein Heulen
Hinausgellt in den süßen Duft des Lebens!
Jetzt nehmt den Wein! Jetzt ist es Zeit, Genossen!
Leert eure gold’nen Becher zu Grund!
Dunkel ist das Leben, ist der Tod!
2)Der Einsame im Herbst nach Chang-Tsi (c.765 – c.830)
Herbstnebel wallen bläulich überm See;
Vom Reif bezogen stehen alle Gräser;
Man meint, ein Künstler habe Staub vom Jade
Über die feinen Blüten ausgestreut.
Der süße Duft der Blumen is verflogen;
Ein kalter Wind beugt ihre Stengel nieder.
Bald werden die verwelkten, gold’nen Blätter
Der Lotosblüten auf dem Wasser zieh’n.
Mein Herz ist müde. Meine kleine Lampe
Erlosch mit Knistern, es gemahnt mich an den Schlaf.
Ich komm’ zu dir, traute Ruhestätte!
Ja, gib mir Ruh’, ich hab Erquickung not!
Ich weine viel in meinen Einsamkeiten.
Der Herbst in meinem Herzen währt zu lange.
Sonne der Liebe, willst du nie mehr scheinen,
Um meine bittern Tränen mild aufzutrocknen?
3 ) Von der Jugend – nach Li-Tai-Po (701-762)
Mitten in dem kleinen Teiche
Steht ein Pavillon aus grünem
Und aus weißem Porzellan.
Wie der Rücken eines Tigers
Wölbt die Brücke sich aus Jade
Zu dem Pavillon hinüber.
In dem Häuschen sitzen Freunde,
Schön gekleidet, trinken, plaudern,
Manche schreiben Verse nieder.
Ihre seidnen Ärmel gleiten
Rückwärts, ihre seidnen Mützen
Hocken lustig tief im Nacken.
Auf des kleinen Teiches stiller
Wasserfläche zeigt sich alles
Wunderlich im Spiegelbilde.
Alles auf dem Kopfe stehend
In dem Pavillon aus grünem
Und aus weißem Porzellan;
Wie ein Halbmond steht die Brücke,
Umgekehrt der Bogen. Freunde,
Schön gekleidet, trinken, plaudern.
4) Von der Schönheit – NachLi-Tai-Po (701-762)
Junge Mädchen pflücken Blumen,
Pflücken Lotosblumen an dem Uferrande.
Zwischen Büschen und Blättern sitzen sie,
Sammeln Blüten in den Schoß und rufen
Sich einander Neckereien zu.
Gold’ne Sonne webt um die Gestalten,
Spiegelt sie im blanken Wasser wider.
Sonne spiegelt ihre schlanken Glieder,
Ihre süßen Augen wider,
Und der Zephyr hebt mit Schmeichelkosen
Das Gewebe Ihrer Ärmel auf,
Führt den Zauber
Ihrer Wohlgerüche durch die Luft.
O sieh, was tummeln sich für schöne Knaben
Dort an dem Uferrand auf mut’gen Rossen?
Weithin glänzend wie die Sonnenstrahlen;
Schon zwischen dem Geäst der grünen Weiden
Trabt das jungfrische Volk einher!
Das Roß des einen wiehert fröhlich auf
Und scheut und saust dahin,
Über Blumen, Gräser wanken hin die Hufe,
Sie zerstampfen jäh im Sturm die hingesunk’nen Blüten.
Hei! Wie flattern im Taumel seine Mähnen,
Dampfen heiß die Nüstern!
Goldne Sonne webt um die Gestalten,
Spiegelt sie im blanken Wasser wider.
Und die schönste von den Jungfrau’n sendet
Lange Blicke ihm der Sehnsucht nach.
Ihre stolze Haltung ist nur Verstellung.
In dem Funkeln ihrer großen Augen,
In dem Dunkel ihres heißen Blicks
Schwingt klagend noch die Erregung ihres Herzens nach.
5) Der Trunkene im Frühling – Nach Li-Tai-Po (701-762)
Wenn nur ein Traum das Leben ist,
Warum denn Müh und Plag?
Ich trinke, bis ich nicht mehr kann,
Den ganzen, lieben Tag!
Und wenn ich nicht mehr trinken kann,
Weil Kehl’ und Seele voll,
So tauml’ ich bis zu meiner Tür
Und schlafe wundervoll!
Was hör ich beim Erwachen? Horch!
Ein Vogel singt im Baum.
Ich frag’ ihn, ob schon Frühling sei,
Mir ist als wie im Traum.
Der Vogel zwitschert: Ja! Der Lenz
Ist da, sei kommen über Nacht!
Aus tiefstem Schauen lausch ich auf,
Der Vogel singt und lacht!
Ich fülle mir den Becher neu
Und leer’ ihn bis zum Grund
Und singe, bis der Mond erglänzt
Am schwarzen Firmament!
Und wenn ich nicht mehr singen kann,
So schlaf ich wieder ein;
Was geht mich denn der Frühling an?
Laßt mich betrunken sein!
6)Der Abschied:
Part I – nach Mong-Kao-Yen
Die Sonne scheidet hinter dem Gebirge.
In alle Täler steigt der Abend nieder
Mit seinen Schatten, die voll Kühlung sind.
O sieh! Wie eine Silberbarke schwebt
Der Mond am blauen Himmelssee herauf.
Ich spüre eines feinen Windes Weh’n
Hinter den dunklen Fichten!
Der Bach singt voller Wohllaut durch das Dunkel.
Die Blumen blassen im Dämmerschein.
Die Erde atmet voll von Ruh’ und Schlaf;
Alle Sehnsucht will nun träumen.
Die mäden Menschen geh’n heimwärts,
Um im Schlaf vergess’nes Glück
Und Jugend neu zu lernen!
Die Vögel hocken still in ihren Zweigen.
Die Welt schläft ein!
Es wehet kühl im Schatten meiner Fichten.
Ich stehe hier und harre meines Freundes;
Ich harre sein zum letzten Lebewohl.
Ich sehne mich, O Freund, an deiner Seite
Die Schönheit dieses Abends zu genießen.
Wo bleibst du? Du läßt mich lang allein!
Ich wandle auf und nieder mit meiner Laute
Auf Wegen, die vom weichem Grase schwellen.
O Schönheit! O ewigen Liebens-, Lebens-trunk’ne Welt!
Part II – nach Wang-Sei (701-761)
Er stieg vom Pferd und reichte ihm den Trunk
Des Abschieds dar.
Er fragte ihn, wohin er führe
Und auch warum es müßte sein.
Er sprach, seine Stimme war umflort: Du, mein Freund,
Mir war auf dieser Welt das Glück nicht hold!
Wohin ich geh’? Ich geh’, ich wand’re in die Berge.
Ich suche Ruhe für mein einsam Herz!
Ich wandle nach der Heimat, meiner Stätte.
Ich werde niemals in die Ferne schweifen.
Still ist mein Herz und harret seiner Stunde!
Die liebe Erde allüberall
Blüht auf im Lenz und grünt aufs neu!
Allüberall und ewig blauen licht die Fernen!
Ewig… Ewig…Ewig…