Sobre a Sala

A Sala Cecília Meireles é uma das casas de concerto mais tradicionais do Brasil. No coração da Lapa, centro da cidade, a Sala se tornou, desde 1965, importante espaço de formação e difusão da música de concerto no Rio de Janeiro. Este espaço pertence à Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro/FUNARJ.

 

História

A Sala Cecília Meireles não nasceu como Sala. Sua gênese é o Armazém do Romão, conhecida e frequentada confeitaria, com entrada pelo Beco do Império, rua lateral da Sala e que o passar do tempo batizou como Teotônio Regadas. Foi exatamente ali que o comendador Guilherme Porto decidiu edificar o Grande Hotel da Lapa, resultado de sua tenacidade e de seu tino para ganhar dinheiro. Porto pensava grande. Queria mesmo era um hotel de luxo, capaz de ofuscar o concorrido Hotel dos Estrangeiros, ali pertinho, bem no coração do Catete.

 

 

O ar de elegância e a movimentação política de então foram ditados pelo comendador, nas últimas luzes do século XIX, com uma República ainda em seus primeiros passos. A escolha do local não deixava muitas dúvidas sobre o olhar certeiro de Guilherme Porto – o novo hotel foi erguido no Largo da Lapa, próximo ao Cassino Fluminense, ao Passeio Público, à Biblioteca Nacional, ao ponto dos bondes e, finalmente, ao movimento das marés. O hotel não duraria para sempre, mas fez e contou sua história. Uma dessas versões foi tecida por Arthur Azevedo em sua comédia opereta “A Capital Federal”, com três atos, doze quadras e escrita no final do século XIX.

(…) Cena II
Gerente – Não há mãos a medir! Pudera! Nunca houve no Rio de Janeiro um hotel assim! Serviço elétrico de primeira ordem! Cozinha esplêndida, música de câmara durante as refeições da mesa-redonda! Um relógio pneumático em cada aposento! Banhos frios e quentes, duchas, sala de natação, ginástica e massagem! Grande salão com um plafond pintado pelos nossos meros artistas!
Enfim, uma verdadeira novidade! – Antes de nos estabelecermos aqui, era uma vergonha! Havia hotéis em São Paulo superiores aos melhores do Rio de Janeiro! Mas em boa hora foi organizada a Companhia do Grande Hotel da capital federal, que dotou essa cidade com um melhoramento tão reclamado! E o caso é que a empresa está dando ótimos dividendos e as ações andam por empenhos. (…)

 

A edificação que acolhia hóspedes, cada vez mais raros diante da decadência do bairro, passou, então, a receber espectadores. Alguns cariocas possivelmente ainda se lembram das sessões de cinema exibidas no Cine Colonial (de 1941 a 1961), que estreou com “O Patriota”, do francês Harry Baur. À época da estreia, o jornal Correio da Manhã assim descreveu as instalações do imóvel: “Os visitantes estiveram na vasta plateia e nos balcões, com capacidade para duas mil pessoas sentadas em ótimas poltronas. Na cabine das máquinas, os aparelhos de som e projeção Miraphonic, da Western Electric, são os mais perfeitos do mundo. As amplas dependências do Cinema Colonial possuem ar refrigerado sistema Koole-Aire, que injeta 90.000 metros cúbicos de ar lavado e refrigerado em serpentinas de água gelada.” Em 1964, os ventos começaram a soprar em uma nova direção. Um crítico atuante do Jornal do Commercio, Andrade Muricy, destacava a falta que fazia uma sala de concertos na cidade. Por que não o prédio do antigo Cinema Colonial? Afinal, ele fechara as portas em 1961. A desapropriação do imóvel seria um ganho para todos, inclusive para o governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, um ex-aluno de violino apaixonado por música. Até então, a música de câmara era apresentada dentro das dimensões inadequadas do Theatro Municipal, apresentações que, com frequência, eram uma das razões da sobrecarga na agenda do suntuoso teatro. O governador entendeu. Satisfeito, Andrade Muricy celebrou a decisão de Lacerda de realizar um antigo desejo dos cariocas, e deu a notícia que iria mudar o senso histórico do prédio no dia 23 de dezembro de 1964: “O governador Carlos Lacerda acaba de desapropriar o tradicional edifício do já fechado Cinema Colonial.”

Maestro adjunto da Orquestra do Theatro Municipal desde 1963, Henrique Morelenbaum havia trocado o violino pela batuta. E mesmo sem saber do que se tratava, atendeu à convocação e apresentou-se no Palácio Guanabara. A missão foi uma bela e estimulante surpresa. O jovem maestro deveria planejar algo que fugisse à burocracia e desse à música o lugar de honra que ela merecia. Se concordasse com a proposta, ela ia além: ele deveria acompanhar as obras de adaptação, já iniciadas no prédio. E “com urgência, urgentíssima”.

Cecília Meireles era um nome que se impunha sem qualquer esforço no reconhecimento de seu talento e na admiração do país. Morreu em novembro de 1964. Era poetisa do Brasil e amiga querida de Carlos Lacerda. Não era de se espantar, portanto, que o governador quisesse homenageá-la de alguma forma. A oportunidade apareceu quando, finalmente, o imóvel ganhou uma identidade musical e foi preciso dar-lhe um nome. Lacerda não precisou pensar muito. O nome da sala seria Sala de Concertos Cecília Meireles. Coube ao crítico Walmir Ayala explicitar em um texto divulgado no programa do concerto que inaugurou a Sala: “Em poucos momentos de sua história a poesia brasileira foi tão concebida sobre a música como na obra de Cecília Meirelles. Poucos poetas em língua portuguesa dispuseram com tanta desenvoltura de um instrumento sonoro como ela. Raramente a palavra foi tanto harmonia, ritmo, afinamento.”

Depois de idas e vindas, de poeira, madeira, cimento, de trocas de sabedoria entre arquitetos e engenheiros e de uma dança de operários que desenhava os novos contornos da tão esperada Sala, a inauguração aconteceu no dia 1 de dezembro de 1965. Depois de toda a consagração, a Sala Cecília Meireles passou a ser chamada, carinhosamente, de “a Sala”. Não era mais necessário usar o nome inteiro para que os usuários soubessem a que estavam se referindo. A propaganda boca a boca revelou-se eficiente e um público habitual começou a se formar.

Assim, se por um lado a população amante de cultura ainda não se habituara à Lapa, por outro ela aplaudia Brecht e Weill nessa mesma Lapa. A história da Sala não para. Através dela discorrem lembranças poderosas do universo musical do Rio. Pelas mãos dos diretores Henrique Morelenbaum, José Mauro Gonçalves, José Renato, Ayres de Andrade, Jacques Klein, Isaac Karabtchebsky, Myrian Dauelsberg, a Sala ia cumprindo seu destino. As pessoas encontravam nela certa felicidade, só possível ali, com o que ela oferecia.

novo ciclo aguarda o dia da reinauguração da Sala Cecília Meireles, após quatro anos em ritmo de obras. Com o fim do bate-estaca, das marteladas, das furadeiras, das ferramentas que cortam madeira, voltam à Sala os sons originais, capazes de tocar a alma, levar a mente para outras dimensões e trazer felicidade a quem os ouve – pianos, violinos, violoncelos, oboés, todo e qualquer instrumento capaz de, nos acordes, contar uma história de vida e arte. Sob a batuta de grandes e eternos maestros, a lição primária da música e sua humanidade foi muito bem sintetizada pelo músico húngaro Zóltan Kodály quando ele, um dia, disse que “há lugares na alma onde só a música consegue chegar”.

 

Restauro

A nova Sala: Acessibilidade e Espaços Sociais

O espaço ganhou acessibilidade em seus três andares, através de rampas e elevadores. Tanto a sala de concerto (plateias inferior e superior) como os ambientes sociais tornaram-se acessíveis. Os banheiros estão instalados em todos os andares, sempre com opção de atendimento a cadeirantes. Outra novidade da reforma é a bomboniére do primeiro andar e o Café da Sala, no segundo piso, atraindo um novo público e ainda possibilitando uma permanência maior de seus visitantes para um aperitivo antes ou depois de concertos e programações.

“A abertura dos grandes vãos interiores, com pé direito que vai do primeiro ao quarto pavimento, foi um dos grandes passos para a criação do novo conceito da Sala Cecília Meireles. Outro ponto que deve ser destacado é a harmonia entre o projeto acústico, que definiu cada detalhe da reforma da sala de concerto, e a proposta de ambientação contemporânea que integra a Sala ao espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro”, diz Tania Chueke, arquiteta responsável pelo projeto.

Para não perder uma de suas principais marcas, foi preservado o painel modernista no fundo do palco. O mesmo estilo do painel deu origem ao desenho da luminária do foyer.

O artista plástico Marcos Chaves criou a instalação Dois Irmãos para esta área, que consiste em fotografias montadas através de uma estrutura de metal, em planos e volumes, que compõem juntas uma paisagem. “Fotografo muito a cidade e criei esta obra especialmente para a Sala, que fica no coração do Rio”, conta o artista.

 

Espaço Guiomar Novaes

O prédio anexo abriga o novo Espaço Guiomar Novaes, transformado em uma sala multiuso, com cabine de som e luz, que pode servir para diferentes funções, desde auditório de palestras a camarim para orquestras; de ensaios para apresentações até recitais de menor porte. O prédio anexo também passou a abrigar dois novos camarins, a administração e uma sala de estudo isolada para os artistas que quiserem se preparar antes das apresentações. A antiga fachada lateral do Grande Hotel também foi resgatada.

 

Modernização e Restauro

A obra exigiu, como não poderia deixar de ser, a criação de um projeto equilibrado que trabalhasse em diferentes frentes: além do aprimoramento da acústica, um dos eixos principais, tornava-se urgente a modernização do prédio, com a criação de um ambiente contemporâneo e de uma nova identidade para um imóvel que nasceu como mercearia, tornou-se hotel, cinema (1939) e, posteriormente, sala de concerto (1965). Isso sem contar sequer com a planta original. Para realizar uma obra deste porte, em um imóvel tombado pelo patrimônio, foi necessário um cuidadoso trabalho de restauro a fim de dar conta da missão de renovar e modernizar o conceito do espaço, sem modificar as características originais do prédio, tombado em 2005 pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (INEPAC). A Sala passa a ter agora uma interação com o ambiente exterior, através de amplas janelas de vidro e grandes portas que estarão abertas durante o dia todo, dando acesso às duas bilheterias e ao café do segundo andar.

Com total ausência de registros da arquitetura original do prédio, a obra foi marcada por muitos imprevistos e pela necessidade constante de replanejamento. Um dos maiores desafios foi a descoberta das paredes de pedra do antigo hotel, com alizares (um tipo de proteção) de madeira devorados por cupim. Foi necessário contratar uma empresa especializada que abriu o arco do frontão cortando os grandes blocos de pedra com lâminas de diamante, uma operação delicada e complexa que tomou muito mais tempo do que o previsto. Para dar estabilidade à parte curva do arco, foi usada fibra de carbono, tecnologia supermoderna. Foi necessário, além disso, reforçar a estrutura de todo o prédio e refazer as lajes. O imóvel tinha passado anteriormente por apenas duas grandes reformas: em 1939, quando virou cinema, e em 1989, em função de um laudo técnico que atestava que parte da estrutura precisava ser reforçada.

 

Nova Acústica

O projeto acústico foi o grande eixo da reforma de modernização de interior e priorizou materiais que contribuem para tornar a Sala um espaço especial dedicado à escuta musical. Neste contexto, a madeira ganha lugar de destaque. É de madeira também o desenho do grande teto em ondas que se desenrola de forma harmoniosa do segundo ao quarto andar. Foram feitos inúmeros testes com músicos da Orquestra Petrobras Sinfônica e com a equipe do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). Os plissados que rodeavam o palco, por exemplo, foram retirados, pois os primeiros testes já identificavam que havia interferência na acústica. Uma equipe de especialistas na área foram responsáveis pela obra e a empresa irlandesa, Woodfit, que produz marcenaria acústica, implementou o projeto.